terça-feira, 17 de agosto de 2010
IMAGEM CAPTADA COM UMA SIMPLES LATA
Uma Imagem Por dentro da lata
Comecemos pelo início, que é o escuro da caixa (lata). Antes de tudo é preciso produzir o mais puro breu. O breu total. A escuridão absoluta, enclausurada pelas paredes da caixa. Depois vem o furo da agulha. Um furinho de nada, comunicando duas realidades distintas e complementares. Lá fora, o Mundo, tal como ele pensa que é. Aqui dentro, um mundo de mundos possíveis (e impossíveis).
Pelo buraquinho, o dentro espia o fora. O Mundo lá fora parece não se dar conta, sempre envolvido com seus muitos afazeres e atribulações, de que é observado. No entanto, um olhar de voyeur atento e apaixonado não se cansa de espiar. Espiar o Mundo em sua distração cotidiana.
Através do furo da agulha o Mundo, transformado em luz, é sugado pelo escuro da caixa. A passagem da paisagem para dentro da caixa produz a sua metamorfose em imagem. Refeita em luminosidade etérea e radiante, a paisagem se torna visagem.
Imagem-visagem de um mundo que recusa explicações apressadas. Vultos que passam. Rastros. Gestos. Cores que se misturam. O movimento dissolve os contornos, revelando um mundo em perpétua transformação. Paisagem desfocada. Espectral. Fantasmagórica.
Ao contrário do olhar de águia que congela o foco sobre a presa, o olhar de pinhole recusa o fatalismo do instante. O instante se dilata e respira, acompanhando a respiração do Mundo. Inspira o Mundo pelo furo da caixa (lata) obscura e expira mundos, mundos outros, oxigenados pela duração, pelo devir.
O olhar de pinhole é, acima de tudo, um olhar preguiçoso. Curioso de ver, mas sem pressa de chegar. Um olhar que caminha vagaroso dentro da paisagem (até o infinito e além!). Um olhar de ver-vendo. Para ver mais e melhor, não para explicar. Não para aprisionar, imobilizar, controlar, dissecar, estripar. Um olhar que flui sem incomodar o tempo, sem interromper o fluxo da ação.
O olhar de pinhole é o olhar inaugural da infância, vendo o Mundo sem saber, ainda, que nome dar às coisas. Um olhar que espia sem ser visto, sem fazer alarido, sem perturbar a cena. O Mundo lá fora segue seu caminho. Dentro do escuro da caixa, isto é, diante das imagens, estamos nós. Feito crianças. Vendo mundos ressurgirem.
Imagens-visagens que nos confrontam com nossa própria perplexidade diante das coisas do Mundo. Nenhuma certeza para consolar e, no entanto, nenhuma angústia. Só calma e encantamento.
Jorge Aguiar
Fotojornalista
Outubro de 1997
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Um comentário:
Olá Jorge! Tudo bem? Parabéns pelo belíssimo trabalho que desenvolves. Foi muito significativa para as crianças,das escolas premiadas, sua participação na II Semana da Fotografia em Novo Hamburgo. Fraterno abraço, Maria Ester do Nascimento.
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