quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
IMAGENS & VISAGENS DE UM FURINHO DA LATA
Imagem-Visagem
Por dentro da lata
Comecemos pelo início, que é o escuro da lata. Antes de tudo é preciso produzir o mais puro breu. O breu total. A escuridão absoluta, enclausurada pelas paredes da caixa. Depois vem o furo da agulha. Um furinho de nada, comunicando duas realidades distintas e complementares. Lá fora, o Mundo, tal como ele pensa que é. Aqui dentro, um mundo de mundos possíveis (e impossíveis).
Pelo buraquinho, o dentro espia o fora. O Mundo lá fora parece não se dar conta, sempre envolvido com seus muitos afazeres e atribulações, de que é observado. No entanto, um olhar de voyeur atento e apaixonado não se cansa de espiar. Espiar o Mundo em sua distração cotidiana.
Através do furo da agulha o Mundo, transformado em luz, é sugado pelo escuro da caixa. A passagem da paisagem para dentro da caixa produz a sua metamorfose em imagem. Refeita em luminosidade etérea e radiante, a paisagem se torna visagem.
Imagem-visagem de um mundo que recusa explicações apressadas. Vultos que passam. Rastros. Gestos. Cores que se misturam. O movimento dissolve os contornos, revelando um mundo em perpétua transformação. Paisagem desfocada. Espectral. Fantasmagórica.
Ao contrário do olhar de águia que congela o foco sobre a presa, o olhar de pinhole recusa o fatalismo do instante. O instante se dilata e respira, acompanhando a respiração do Mundo. Inspira o Mundo pelo furo da (lata) obscura e expira mundos, mundos outros, oxigenados pela duração, pelo devir.
O olhar de pinhole é, acima de tudo, um olhar preguiçoso. Curioso de ver, mas sem pressa de chegar. Um olhar que caminha vagaroso dentro da paisagem (até o infinito e além!). Um olhar de ver-vendo. Para ver mais e melhor, não para explicar. Não para aprisionar, imobilizar, controlar, dissecar, estripar. Um olhar que flui sem incomodar o tempo, sem interromper o fluxo da ação.
O olhar de pinhole é o olhar inaugural da infância, vendo o Mundo sem saber, ainda, que nome dar às coisas. Um olhar que espia sem ser visto, sem fazer alarido, sem perturbar a cena. O Mundo lá fora segue seu caminho. Dentro do escuro da caixa, isto é, diante das imagens, estamos nós. Feito crianças. Vendo mundos ressurgirem.
Imagens-visagens que nos confrontam com nossa própria perplexidade diante das coisas do Mundo. Nenhuma certeza para consolar e, no entanto, nenhuma angústia. Só calma e encantamento.
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